João Bosco Botelho
Desde os primeiros registros, na escrita cuneiforme, na Mesopotâmia de Hammurabi, existe a associação doença-pecado.
A sífilis tem lugar especial entre as doenças historicamente identificadas como consequência do pecado cometido.
Hoje a sífilis não representa mais nenhum perigo à sobrevivência do homem. O diagnóstico pode ser realizado precocemente em qualquer laboratório médico e o tratamento se efetiva com algumas injeções de penicilina. Porém, nem sempre foi assim. Essa doença já representou um grande estigma, significando a certeza da dolorosa incapacidade física, da loucura seguida da morte.
O médico Jerônimo Frascastoro (1483-1553), nascido em Verona, na Itália, escreveu em 1521, a obra que o imortalizou: Syphilis Sive Morbus Gallicus, trazendo pela primeira vez a compreensão da sífilis atada à transmissão sexual, mas também ligada ao castigo de Deus. O texto começa estabelecendo o caráter endêmico da doença:
Vi vários casos de uma semente má desconhecida
Traziam expostas já de algum tempo
Por toda Europa, parte da Ásia e da Líbia qual tempestade
Irrompeu no Lácio, por causa da triste guerra dos gauleses
e recebeu o nome daquela gente
Traziam expostas já de algum tempo
Por toda Europa, parte da Ásia e da Líbia qual tempestade
Irrompeu no Lácio, por causa da triste guerra dos gauleses
e recebeu o nome daquela gente
Quando nas pastagens ao lar livro longamente: e então
se firmaram os vícios
Oh! tu que esperas a liberdade pelo trabalho
Pouco te opões ao cuidado que a todos domina
Princípios: com esforço de memória guarda estes preceitos
Embora pouco os prazeres do amor: molestem face toda a vida
se firmaram os vícios
Oh! tu que esperas a liberdade pelo trabalho
Pouco te opões ao cuidado que a todos domina
Princípios: com esforço de memória guarda estes preceitos
Embora pouco os prazeres do amor: molestem face toda a vida
O personagem central do livro é um pastor devotado que ama tanto o rei a ponto de divinizá-lo. Como castigo sofreu a fúria dos deuses, manifestada sob a forma de uma doença, até então desconhecida, que Fracastoro denominou syphilis.
Por outro lado, a sífilis também era conhecida como mal de Nápoles, mal alemão, mal dos cristãos e mal dos judeus. A múltipla sinonímia evidencia que os grupos sociais, na busca do culpado pelo sofrimento e pela morte antecipada, atribuía ao inimigo a responsabilidade do problema.
O controle da epidemia sifilítica foi iniciado, a partir de 1929, com a penicilina. Quatro séculos passaram-se para que a humanidade compreendesse que a sífilis nunca foi uma doença moral.